Crescimento da pessoa humana

 

    Outra percepção acerca do desenvolvimento / crescimento da pessoa humana advém da corrente humanista. Trata-se de uma corrente que tem uma visão naturalmente positiva acerca da pessoa humana, para a qual o indivíduo tem uma Text
Box:  necessidade inata de  auto-actualização, autodesenvolvimento e autodirecção. Assim, na análise da maturidade humana, para além das perspectivas do desenvolvimento e do ciclo de vida, é crucial abordar os autores mais relevantes desta corrente, bem como outros autores que os seguem na descrição da maturidade humana.

    Maslow (1970) observa a importância da gratificação de necessidades na motivação humana. Para este autor, o ser humano é marcado por uma dinâmica crescente de satisfação de necessidades. Estas diversas necessidades não se encontram todas ao mesmo nível, sendo possível estabelecer uma ordem hierárquica entre elas (cf. quadro.), estabelecendo-se a seguinte ordem: necessidades fisiológicas, necessidades de segurança, necessidades de pertença e amor, necessidades de estima, necessidades de auto-actualização.

A dinâmica principal que anima esta organização é a emergência, na pessoa saudável, de necessidades menos poderosas a partir da gratificação de necessidades mais poderosas. As necessidades fisiológicas, quando não satisfeitas, dominam o organismo, pressionando todas as capacidades para o seu serviço e organizando estas capacidades para que possam ser o mais eficientes neste serviço. A relativa gratificação submerge-as e permite que o nível seguinte mais elevado na hierarquia surja, domine e organize a personalidade, de forma a que o ser deixe de estar obsessivamente ligado à comida, para se tornar obsessivamente preocupado com a segurança. O princípio é o mesmo para os outros conjuntos de necessidades na hierarquia, isto é, amor, estima, e auto-actualização.

            Assim, a motivação humana é orientada pela necessidade de gratificação de necessidades. Enquanto os níveis mais baixos de necessidades não forem assegurados, a pessoa não se preocupa com os níveis seguintes da hierarquia, pois está completamente centrado e motivado para a satisfação das necessidades actuais. Esta teoria da motivação humana concebe a pessoa humana em crescimento contínuo, com vista a ser mais, ou seja, à sua auto-actualização. Trata-se de uma evolução rumo à maturidade, mas que não termina no último nível da hierarquia, pois esse último nível, a auto-actualização, pressupõe um movimento contínuo de crescimento e dinamismo da pessoa.

    Maslow identifica o nível mais alto da hierarquia, ou seja o processo de auto-actualização,  com a maturidade. A maturação do indivíduo apresenta as seguintes características:

·        Maior eficiência na percepção da realidade e relações mais confortáveis com o mesmo. O indivíduo vê a realidade não com os seus olhos e seus preconceitos, mas procura percepcionar a realidade de uma forma aberta. Por isso, está disponível para a novidade, e não se fecha numa capa de segurança e defesa perante o desconhecido.

·        Aceitação (eu, outros, natureza). A aceitação de si próprio significa aceitar a sua natureza mesmo com todas as discrepâncias em relação à imagem ideal que deseja e tem de si próprio: "os nossos sujeitos vêem a natureza humana como é e não como eles preferiam que fosse."

·        Espontaneidade, simplicidade, naturalidade. A pessoa madura orienta-se por princípios, "sendo o comportamento baseado em princípios fundamentadamente aceites (os quais são percebidos como verdadeiros)." .

·        Focalização em problemas. A pessoa madura geralmente não está preocupada com os seus problemas; ou seja, não está centrada em si. "Estes indivíduos têm geralmente uma missão na vida, alguma tarefa para cumprir, algum problema fora deles que ocupa muito das suas energias."

·        A necessidade de privacidade. Na sequência do aspecto anterior, a relação com os outros não é de forma alguma possessiva e egoísta. A autonomia do indivíduo é caracterizada por "auto-decisão, auto-governo, por ser um ser activo, responsável e decidido em vez de ser um mero peão". Tratam-se pois de pessoas com capacidade crítica, capazes de se distanciarem das opiniões comuns, modas e propaganda.

·        Independência da cultura e do ambiente. O indivíduo em processo de auto-actualização "não tem a sua motivação dependente das satisfações principais do mundo real (...), em satisfações extrínsecas.". Assim, é capaz de enfrentar com serenidade os problemas e as circunstâncias adversas.

·        Novidade contínua nas apreciações. A pessoa em auto-actualização encara todas as coisas com um espírito de abertura e de novidade, evitando, assim, a rotina, não se cansando das pessoas, coisas e acontecimentos que o rodeiam.

·        Experiência mística. Bastantes indivíduos apresentam alguma preocupação e interesse acerca da última natureza da realidade. Trata-se, pois, do factor religioso na maturidade humana.

·        Sentimento social. As pessoas em processo de auto-actualização sentem uma ligação profunda em relação à existência humana, apresentando "um profundo sentimento de identificação, simpatia e afeição".

·        Relações interpessoais. Os indivíduos maduros são capazes de relações interpessoais mais profundas com poucas fricções, apesar do círculo das pessoas mais chegadas poder ser pequeno.

·        Carácter de estrutura democrática. O indivíduo maduro sente um respeito por todo e qualquer ser humano, não sentindo qualquer reserva em aprender seja com quem for. Assim, aceita toda e qualquer pessoa independentemente de raça, religião, cultura, etc.

·        Distinção entre meios e fins, entre bem e mal. A pessoa  madura rege-se por princípios éticos, indo as suas noções de certo e errado, de bem e mal, para além dos padrões convencionais. Por isso, a sua vida não é inconstante nem confusa.

·        Senso de humor não hostil. A pessoa madura possui um senso de humor diferente do comum, não se pactuando com humor que "fere" a pessoa ou que goza com a sua inferioridade. O seu sentido de humor é espontâneo em vez de planeado, e está intrinsecamente ligado à situação em vez de ser adicionado à mesma.

·        Criatividade. A pessoa em processo de auto-actualização vive muito menos constrangida e inibida, dando largas à sua espontaneidade, tornando-se criativa, fazendo as coisas de maneira diferente.

Allport (1963), na sequência da perspectiva de Maslow, considera existirem diversos traços que caracterizam a maturidade da pessoa humana. Em primeiro lugar, encontra-se a extensão do sentido do eu, ou seja a capacidade para sair de si próprio e alargar a fronteira do seu eu aos outros. ”A maturidade avança na proporção da descentração da clamorosa imediatez do corpo e egocentrismo.”. Isto significa que o indivíduo maduro deve ter preocupação com os outros. Assim, a maturidade implica sair de uma lógica individualista e sectária dos interesses e preocupações pessoais. A pessoa madura tem de ser capaz de se auto-aceitar, evitando reacções extremadas e desproporcionadas, seja em relação a si, seja em relação aos outros: “aprendeu a viver com os seus estados emocionais de modo a que eles não o levem a actos impulsivos nem interfiram com o bem estar dos outros.”. Para tal, é necessário superar com sucesso as diversas fases do desenvolvimento. A pessoa madura possui, também, uma percepção realista das suas capacidades e tarefas que tem de desempenhar. Assim, o sentido da responsabilidade é importante, pois “a única forma de continuar a vida é ter uma tarefa para completar.”. Acresce ainda que a pessoa deve ser capaz de auto-objectivação, de discernimento e de humor. Conhecer-se a si próprio é o lema que acompanha o indivíduo maduro, tornando-o capaz de perceber e se rir com as suas incongruências. Finalmente, a maturidade pressupõe uma filosofia unificadora da vida. Esta filosofia unificadora de vida pode ser de diferentes ordens: teórica, económica, estética, social, política, religiosa.

    Rogers (1965, 1971) considera que o desenvolvimento da pessoa é um processo com vista a torná-la totalmente funcional. Na sequência de Maslow, Rogers considera que a pessoa humana tem uma tendência natural para crescer e para se auto-actualizar, não sendo por isso determinada à partida. Este processo de se tornar pessoa está orientado para a direcção positiva da totalidade, integração, integridade e autonomia. Este caminho para a autonomia implica, por isso, em primeiro lugar liberdade. Ser pessoa totalmente funcionante implica ser capaz de liberdade de escolha, assumindo uma nova perspectiva na relação entre liberdade e determinismo: “a pessoa totalmente funcionante (…) utiliza a mais absoluta liberdade quando espontaneamente, livremente e voluntariamente escolhe e deseja o que é também absolutamente determinado.” (1971). A maturação da pessoa envolve também uma forma de estar criativa e não conformista, “pois o indivíduo continua a evoluir em direcção a tornar-se ele próprio, e a agir de forma a providenciar a máxima satisfação das suas necessidades mais profundas.” (1971). Assim, o indivíduo maduro não está fechado em si próprio, vivendo de uma forma defensiva, estando aberto a um leque muito mais alargado de necessidades (ambientais, sociais, etc.). Desta forma, ele tem um sentimento de confiança na natureza humana, pois à medida que se torna pessoa, mais sente a necessidade de abertura aos outros. Este processo implica, por isso, uma maior riqueza de vida, pois “envolve o aumentar e crescer tornar-se mais e mais nas suas próprias potencialidades. Envolve coragem de ser. Significa lançar-se completamente na corrente da vida.” (1971).